O mal do século

A depressão é uma doença que, por ser invisível aos olhos, é muito confundida com vitimização por parte de uma parcela leiga da população. Porém, quando diagnosticada, pode ser um perigo e uma real ameaça à vida do indivíduo portador. Nesse Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, explicaremos os sinais, a diferença entre tristeza e depressão, causas e tratamento, além de conhecer a história de quem viveu ou ainda vive essa realidade

01/09/2019 Especiais Carolina Padilha Alves

“Tem que se ajudar", "é falta de Deus", "vai se ocupar pra ver se tem tempo de pensar em bobagem", "depressão não existe", "isso é coisa de gente fraca". Todas essas são frases que, infelizmente, ainda surgem socialmente com bastante frequência. Por mais que seja um desafio conviver com alguém depressivo, deve-se ter a consciência de que essa  é uma doença e os comportamentos que surgem não são culpa da pessoa. 

Embora haja mais divulgação e um novo olhar, muitos ainda associam a depressão com fraqueza, falta de ocupação ou religião, e acabam minimizando o que o outro sente e verbalizando frases que, na prática, acabam mais atrapalhando do que ajudando. Ainda há os que comparam com outros que passaram por grandes tragédias e acreditam que o depressivo está dessa maneira por escolha.

Segundo profissionais da saúde que tratam de transtornos mentais, o mais indicado nesses casos é oferecer auxílio, se mostrar disponível para a escuta, evitar julgamentos, tentar não dar receitas prontas ou fazer comparações pessoais, elogiar pequenas conquistas e ter muita, mas muita paciência. "Estou do seu lado", "não é culpa sua", "pode contar comigo", são frases mais assertivas e que demonstram apoio, compreensão e empatia, ajudando quem está passando por essa fase.

Quais os sinais que a família e os amigos podem notar na pessoa que tem depressão?

Os sinais de alguém com depressão pode divergir bastante de indivíduo para indivíduo, variando os sintomas e a intensidade com que se apresentam. Geralmente há mudanças no comportamento, que podem ser percebidas em suas atividades e relações, tristeza constante, irritabilidade, redução de energia, medos intensos, isolamento, perda de interesse em atividades que antes lhe eram prazerosas, bem como, incapacidade de experimentar o prazer, pessimismo, diminuição da concentração, autoestima e da autoconfiança. Pensamentos de culpabilidade e indignidade, também podem ser indícios da doença. Há também alguns sintomas físicos como dores de cabeça, dores no corpo, problemas digestivos, alterações no sono e alimentação, que podem estar associados à depressão.

Jéssica Zanella, Psicóloga.

Qual o fator decisivo para iniciar com o uso de medicamento e tratamento com psiquiatra?

Ainda existem preconceitos, quando se fala em transtorno ou doença mental, sendo que a busca pelo psiquiatra e pelo psicólogo, se dá quando todos os outros recursos já foram esgotados. Atualmente, o papel desses profissionais já está mais conhecido, porém na interação social ainda é usado o termo “louco” associado a eles.

O psiquiatra é o médico responsável pela escuta, pelo diagnóstico e em receitar a medicação adequada para cada caso. Através da medicação, a pessoa repõe no organismo algo que está em déficit. Muitas pesquisas realizadas, apontam que a psicoterapia e o fármaco têm mais potencialidades juntos, logo, a atuação dos dois profissionais (psicólogo e psiquiatra) deve ser vista como complementar, auxiliando num diagnóstico mais preciso.

Chaiane Stancki, Psicóloga.

Qual a diferença entre tristeza e depressão?

A tristeza refere-se a um estado de humor. Sendo que durante o dia temos alterações nesse estado, motivado pelas situações vivenciadas.

A depressão é uma doença que provoca alterações mentais, corporais e distúrbios de humor na pessoa. Os sintomas: humor deprimido (tristeza e irritabilidade); retardo ou agitação psicomotora; fadiga ou perda de energia; sentimento de menos valia e culpa excessiva; perda do interesse ou prazer (anedonia); capacidade de concentração diminuída; pensamentos sobre a morte, alterações de peso (mudança no apetite) e insônia ou hipersonia. Importante lembrar que existem diferentes tipos de depressão, e que cada pessoa sente ou verbaliza os sintomas do seu jeito. Esse é um transtorno que pode acometer qualquer pessoa, em qualquer idade, e de qualquer grupo racial, étnico e socioeconômico.

Chaiane Stancki, Psicóloga.

Setembro Amarelo

O Centro de Valorização da Vida, juntamente com o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria, deram início às atividades do Setembro Amarelo em nosso país, no ano de 2015.

Tendo como frase principal “falar é a melhor solução”, a campanha tem como objetivo conscientizar e alertar sobre a realidade do suicídio no Brasil e suas formas de prevenção. Alguns locais públicos e particulares mudam suas cores e iluminação para tons de amarelo, como por exemplo, o estádio Beira Rio, o Cristo Redentor, o Congresso Nacional, entre outros, além das ações de rua, como caminhadas, passeios ciclísticos e abordagens em várias cidades do Brasil.

Esse mal silencioso é um problema de saúde pública. As vítimas têm aumentado nos últimos anos, já que não se abrem, não conversam sobre suas ideias suicidas, não procuram ajuda de um profissional e tudo isso por medo ou desconhecimento. 

É importante lembrar que nem toda pessoa com depressão é propensa a cometer suicídio, mas quase todos os suicidas têm um histórico depressivo e mandam sinais durante a vida antes de cometer o ato, sinais esses que precisam ser percebidos pelos familiares e/ou amigos. Assim se dá a importância de debater e entender o assunto.

O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. 

Acesse: www.cvv.org.br

Ligue: 188

Sentindo na pele:

“A depressão chegou sem eu perceber. Apenas me notava absolutamente desanimada e triste. Chorava copiosamente, sem motivos específicos, e sentia uma tristeza que não conseguia explicar, mas que tinha relação com acontecimentos do passado; o que fiz, o que não fiz e o que deixei de fazer. Perdi o sono, a fome e deixei de lado o autocuidado. Me afastei de todos os amigos e só saia para trabalhar. Na época, comecei terapia para sanar o problema, mas a psicóloga comentou que seria interessante eu ir ao psiquiatra também. Pouco tempo depois, fui diagnosticada com depressão profunda, ansiedade e insônia. As causas eram muitas: relacionamento abusivo, pressão na faculdade e relação familiar turbulenta. Comecei a tomar antidepressivo e ansiolítico, mas logo pude parar com o remédio da ansiedade. Passei a frequentar a psicóloga duas vezes por semana. Depois de seis meses ajustando a medicação, fiquei dois anos e meio em tratamento contínuo e estável. Em abril de 2019, ganhei alta. Fiz a retirada da medicação com acompanhamento do psiquiatra e não experenciei efeitos colaterais. Hoje em dia, apenas frequento quinzenalmente a terapia. Desde o momento do diagnóstico, encarei minha doença mental com a seriedade e comprometimento que encararia uma doença física e é por isso que melhorei. A medicação me ajudou na recuperação enquanto a terapia na compreensão de como eu deveria lidar com determinadas situações para que pudesse não depender da medicação para sempre”. Mulher de 27 anos, com o tratamento medicamentoso de depressão finalizado.

 

“Entendi que eu estava realmente doente quando meu namorado disse que só continuaria se relacionando comigo se eu fosse me tratar. Quando comecei ir no psicólogo e psiquiatra, não falei pra ninguém, pois sentia vergonha. Na época, as pessoas achavam que tratamento mental era só para loucos, a começar pela minha família. Todos me diziam que estava faltando Deus na minha vida, que tem que ter força de vontade, pensamento positivo e outras frases prontas que desconsideravam tudo que eu estava sentindo. Aos 29 anos foi o ponto alto da minha depressão, onde cheguei a pensar em suicídio, já que nada na minha vida fazia sentido. Me sentia um estorvo, o sentimento de angústia, infelicidade e raiva eram constantes e eu preferia não estar mais ali. Consegui sair do fundo do poço com ajuda dos médicos e remédios, os quais agora tenho consciência que vão me acompanhar para o resto da vida. Cada caso é um caso, mas eu sei que para eu estar bem, preciso estar medicada. Hoje tenho uma filha, uma situação melhor de vida e já não sinto mais os sintomas tão aparentes da doença. Pode ser que demore um pouco até encontrar o médico correto e um remédio que não agrida tanto o corpo com as contra indicações, porém é importante que as pessoas tenham acompanhamento semanal de um profissional de confiança. Para aqueles que confundem vitimização com depressão, um ponto que pode ser analisado para saber diferenciar as duas coisas, são as perdas irreparáveis que estão acontecendo na vida desse ser humano, pois quando a pessoa é depressiva, ela bota tudo a perder: relacionamentos amorosos, família, amigos, trabalho, simplesmente tudo vai por água abaixo. É preciso respeitar a dor do outro acima de tudo”. Mulher de 47 anos, ainda em tratamento.


 

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