Gaúchos de todos os lugares passam por Vacaria/RS para chegar a Santa Catarina. Isso porque somos a cidade localizada exatamente na divisa entre estados, tendo como papel importante o acolhimento dos viajantes que entram e saem diariamente de nosso município. Porém, você conhece a história da ponte que faz esta importante ligação entre o Rio Grande do Sul e o resto do Brasil? Muitos fatos históricos aconteceram até chegarmos à realidade atual e, por isso, vamos contar um pouco sobre a queda da antiga ponte, com a ajuda de um Sargento de Engenharia do Exército, que esteve presente no momento desse desastre ambiental
Era inverno de 1965, clima rigoroso e chuvoso que castigava a região sul do país. Apesar da chuvarada estrondosa que caía há muitos dias, as atividades ligando os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que aconteciam através da passagem na Ponte do Pelotas, no local denominado Passo do Socorro, ocorriam normalmente até a tarde do dia 18 de Agosto.
Exatamente às 14h e 20 minutos de uma quarta-feira, segundo registros da imprensa local, uma enchente destruiu a ponte sobre o Rio Pelotas, deixando o povo gaúcho isolado do restante do Brasil.
A construção, que tinha 250 metros de comprimento e havia sido inaugurada três anos antes da calamidade ambiental, foi levada pela água aos olhos de centenas de pessoas, que assistiram, não só a queda da ponte, mas também um engenheiro paulista que estava em cima dela naquele exato momento, ser levado pela correnteza.
Émerson Rogério de Oliveira, Capitão reformado do exército e efetivado no 3º Batalhão Rodoviário de Vacaria, formou-se Sargento de Engenharia em 1963 e rapidamente foi acionado para comandar as turmas de serviço que iriam atuar na área.
“Vi descerem naquelas águas turbulentas, animais mortos, galhadas, árvores e até casas inteiras, toras e madeiras, sugadas de serrarias da região, instaladas próximas às margens baixas. Mesmo vendo isso pela manhã, jamais me passou pela cabeça que a ponte sobre o Rio Pelotas viria abaixo logo no início da tarde naquele mesmo dia”, comenta
A mega operação, denominada “Operação Passo do Socorro”, envolveu os batalhões de Lages e Porto União de Santa Catarina, Vacaria e Cachoeira do Sul no Rio Grande do Sul. Para complicar ainda mais, a ventania e as fortes chuvas romperam a linha telefônica, com a queda de postes e fios, deixando os militares incomunicáveis e sem a possibilidade de pedir suprimentos com mais agilidade. “Falei ao meu companheiro de trabalho para pegar alguns homens e juntar cobertores, todos os pedaços de lona e cordas que encontrasse, e tudo que julgasse útil para prestar socorro aos flagelados”, relembra o Capitão, que dormiu num barraco junto às obras para chefiar as turmas de serviço. Completa contando que: “por cima da água, se viam cobras, escorpiões, aranhas caranguejeiras e outros bichos peçonhentos. Naquela situação, totalmente sem recursos, uma picada poderia ser fatal”. Ninguém chegou a ser picado, porém ocorreram diversos ferimentos que foram tratados posteriormente de maneira caseira.
Em torno de 25 famílias foram levadas a um alojamento, onde receberam os cuidados básicos, como alimentação e roupas secas vindas de doações, e ali ficaram até o final do ano, onde foram realocadas para um acampamento construído em cima do morro.
Para agravar a situação, a temperatura fora dos padrões normais de inverno, baixou de uma hora para outra, provocando fortes nevadas, que duraram três dias seguidos. A neve congelou poças de água, cobriu telhados dos barracos, copas de árvores e as estradas tornaram-se lodosas, impossibilitando o trânsito de viaturas.
Enquanto isso, os militares trabalharam sem parar. Para resgatar o tráfego, uma primeira ponte flutuante do tipo B4A1 foi construída entre os dias 29/08 e 03/09, mas também não aguentou e foi levada pela força do rio três dias após abertura do tráfego. Na sequência duas novas pontes flutuantes provisórias com sustentação aérea permitiram a liberação do tráfego, até a conclusão da nova ponte de concreto, que ficou pronta quase um ano depois.
As consequências econômicas do Rio Grande do Sul foram grandes, assim como a saúde debilitada da população que passou por tanto frio debaixo de chuva, sem falar no recomeço para aqueles que ficaram sem casa e retomaram suas vidas da estaca zero após a catástrofe.
“Confesso que até os dias de hoje, não vi nada igual ao que aconteceu com o clima naquele agosto de 65. Mesmo que eu faça um esforço literário para descrever a catástrofe, sei que não conseguirei retratá-la fielmente. Só quem viveu entenderá o que tento passar aos leitores”, explica Emerson.
Ano após ano, desde que a ponte que conhecemos hoje foi construída, a infraestrutura vem sido trabalhada, tanto pelo governo, como por empresários que abrem seus negócios na localidade, garantindo um ambiente bonito, diferenciado e confortável para os turistas que por ali passam.
Do lado riograndense, o ponto de parada é uma pequena praça, com brinquedos para crianças e vagas de estacionamento, assim como uma cuia e uma chaleira em tamanho grande, referindo-se a uma das maiores tradições gaúchas, que é o chimarrão. Imagens de um gaúcho e uma prenda também ficam disponíveis para aqueles que gostam de registrar o momento e tirar fotos com a família.
A infraestrutura do paradouro oferta local para pesca, piquenique, restaurantes, onde os visitantes também podem levar seus jet skis e barcos para passeios. Uma reclamação dos moradores dos arredores e de quem tem seus negócios por lá, é que muitos turistas deixam lixos jogados pelo chão e, infelizmente, não cooperam com a belíssima paisagem que a natureza nos presenteou e, muito menos, levam a sério o significado que a ponte e o rio têm para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Matéria baseada no livro “Muito Além dos Caminhos”, de Emerson Rogério de Oliveira (Ed. 2012; 368 p.il. - Livraria Cultura POA/RS).
Fotos retiradas do livro Só Para Lembrar - Vacaria em Fotos - de Adhemar Pinotti e do fotógrafo de viagens Jair Prandi.