A vida nas ruas

As ruas das cidades brasileiras estão cada vez mais cheias de moradores, temporários ou permanentes, os quais enfrentam a triste realidade da exclusão social. Falaremos um pouco sobre a vida de pessoas em situação de rua, apresentando depoimentos e ações desenvolvidas por um projeto de nossa cidade, que estimula esses indivíduos a buscarem uma vida melhor

01/03/2019 Especiais Carolina Padilha Alves Tiago Sutil

Segundo a Secretaria Nacional de Assistência Social, a população em situação de rua é definida como um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e falta de habitação convencional regular, sendo compelido a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento. Segundo pesquisa do IPEA, no ano de 2015, o Brasil contabilizou mais de 100 mil moradores de rua.

O uso das ruas como moradia, se dá por vários motivos, como desemprego, uso de drogas, alcoolismo, doença mental, perda de vínculos familiares, violência, entre tantos outros. A maioria dessa população é masculina, muitos analfabetos ou que não concluíram o ensino básico. Essas pessoas, ora são tratadas com compaixão, mas em muitos momentos sofrem repressão, preconceito, indiferença e estão expostos a todos os tipos de violência.

O trabalho das Organizações Não Governamentais - ONG’s - e Instituições Religiosas, ganhou destaque devido a ineficácia das políticas públicas, que deveriam amparar os que delas necessitam. Porém, devido ao descaso governamental, algumas vezes, é suprido apenas as necessidades básicas, mas não resolve a causa do problema. E então, nascem iniciativas como a do Projeto Resgatando Vidas, que dá aos moradores de rua um incentivo através da fé.

Resgatando Vidas

Gelson e Eva Moreira coordenam há oito meses um projeto em nossa cidade, chamado Resgatando Vidas. Gelson é pastor e por seu contato com pessoas que carregam diversos problemas sociais, ele notou a falta de ações que cuidem de pessoas em situação de rua e decidiu fazer a diferença, convidando seus fiéis para se tornarem voluntários nesse projeto.

Instalados atualmente em uma sala anexa à igreja, o Resgatando Vidas já tem em torno de vinte e cinco voluntários, que se dividem entre os sete dias da semana, para distribuírem café da manhã e almoço para os moradores de rua. Além disso, também dão mudas de roupas e calçados, os quais chegam por meio de doações da comunidade.

“É importante ressaltar que, para ser um voluntário, não é necessário ser evangélico. Aceitamos ajuda de pessoas de todas as religiões e ateus, mas que se proponham a cooperar com o bem estar do próximo acima de tudo”, explica Gelson.

No início do projeto, os idealizadores lembram que eles não tinham noção do número de pessoas em situação de rua na cidade, começando a dar alimentação para apenas seis deles nos primeiros dias. Meses depois, chegaram a alimentar quarenta indivíduos em uma mesma refeição. Entre eles, estão pessoas com as mais variadas histórias, como por exemplo, alguns que vieram do Nordeste para trabalhar nos pomares de maçã, alguns usuários de drogas que foram expulsos de casa, índios que estão de passagem vendendo suas mercadorias em Vacaria, etc.

Antes da alimentação, Gelson e os voluntários sempre fazem uma oração e oferecem um estímulo através da fé. É explicado para os moradores de rua que as suas vidas tem jeito, que as coisas podem melhorar, que eles podem sair dessa situação, voltar para suas famílias e ter uma vida confortável. “O nosso propósito não é só alimentá-los. A comida foi um meio que encontramos para chegar até eles. Resolvemos um problema momentâneo, que é a fome, mas trabalhamos diariamente para a solução de um problema maior, que é a readequação na sociedade”, diz Gelson.

Outra situação delicada que os voluntários enfrentam e tentam ajudar, tem a ver com o fato de Vacaria estar sem um albergue no atual momento, impossibilitando o poso para pessoas sem teto. Por isso, quando necessário, juntam dinheiro e compram passagens de ônibus para Lages ou outras cidades próximas, que tenham vagas em seus albergues.

“Eu resolvi doar meu tempo para esse projeto, pois acredito que temos que fazer alguma coisa diferente. De nada adianta eu estar na igreja orando todo dia, se não consigo por em prática a ação de ajudar o próximo”, reflete Angélica Zardo, voluntária.

Gelson ainda explica que, poucos são os casos de moradores de rua que, por estarem há muitos anos nessa condição, estão acostumados com suas vidas sem horário, sem regras, sem planos, criando um mundo particular, e, por isso, preferem se isolar, não procurando ajuda e nem fazendo as refeições dadas em seu projeto.

Os moradores de rua atendidos pelo Resgatando Vidas, ficam felizes com pequenas atitudes e quando conseguem ter suas necessidades básicas supridas, como tomar um banho quente e colocar uma roupa limpa, por exemplo. Abrem um sorriso quando são chamados pelo nome, quando ganham um abraço ou um pouco de atenção, pois o ser humano procura sempre o sentimento de aceitação e pertencimento a um grupo, seja ele qual for.

“Não adianta ver alguém na rua alcoolicamente alterado, e chamar de bêbado. Não adianta ver um usuário de drogas e chamar de drogado. Com esses atos, a vida deles não irá mudar. É preciso falar para essas pessoas que ainda existe uma luz no fim do túnel”, afirma o pastor.

Os planos para o projeto que só vem crescendo são bem claros: estabelecer uma associação, com local fixo, que permita dar, além da alimentação, cursos profissionalizantes como o de poda para a época da safra. Voluntários agrônomos para esse caso são muito bem vindos, e claro, de outras áreas do mercado. Esse local de passagem, que também deverá ter alguns leitos, será um alento para o coração daqueles desacreditados na possibilidade de uma vida digna.

Doe alimentos, roupas ou apenas seu tempo para o projeto Resgatando Vidas:

Avenida Júlio de Castilhos, 1935 - Ao lado da Igreja Espaço Esperança, no antigo terminal.

Depoimento

“Eu sou Uruguaio, porém já viajei muito e morei em Brasília, em Goiânia, Balneário Camboriú, na Argentina... Em Vacaria eu estou há pouco tempo, pois recebi uma proposta de emprego em uma fazenda de outra cidade do Rio Grande do Sul e quando cheguei, não existia fazenda nenhuma e, muito menos, emprego. Por isso agora estou em situação de rua novamente. Nos últimos dias já perdi seis quilos, tenho dormido nos fundos da Igreja Nossa Senhora de Fátima e tomo café da manhã aqui no projeto Resgatando Vidas. A coisa mais difícil que fiz até hoje, foi ter que catar comida no lixo dos outros e ter um copo d’água negado. Ninguém deveria ter que passar por isso. Tem sido muito complicado, pois para arranjar um emprego, é preciso estar, no mínimo, apresentável, com roupas limpas e tomado banho. Quando chego nas entrevistas e me perguntam onde eu moro, é humilhante ter que responder que moro na rua. Quem diz que mendigo é vagabundo e está ali por que quer, com certeza é alguém que nunca passou por nenhuma dificuldade na vida, pois essa é uma condição que nenhum ser humano quer ter. Para sair disso, é preciso esforço e crença em um futuro melhor, buscar pela mudança e ter fé, que é o que o pastor nos ensina aqui, mas também é preciso mãos estendidas, que deem oportunidades de recomeço. Os voluntários conseguiram comprar uma passagem para Lages, que é a cidade mais próxima com albergue, para eu poder dormir em uma cama novamente e tomar um banho para, quem sabe, entrar no mercado de trabalho”. Carlos Maria, 35 anos, morador de rua.

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