Um grupo que passa despercebido pela sociedade e, infelizmente, ainda sofre muito preconceito é o dos catadores. Pesquisas apontam que eles são responsáveis por quase 90% do lixo reciclado em nosso país, então, vamos entender um pouco mais sobre esse trabalho de extrema importância desenvolvido por eles
O catador de lixo reciclável é a pessoa que tem como ofício recolher resíduos sólidos como papel, plástico, vidro, entre outros, dando o destino correto a esses materiais. Os trabalhadores desse ramo, sobrevivem do recolhimento, separação e comercialização do material reciclável encontrado nas ruas e, por esse motivo, enfrentam condições precárias de trabalho, além da exposição direta à doenças.
O crescimento desse ofício é relevante, já que nos últimos anos o aumento do desemprego é significativo e, muitos brasileiros, encontram o seu ganha pão no ato de catar lixo.
A qualidade do material recolhido, muitas vezes, não é das melhores, já que grande parte da população ainda não aderiu a separação correta do lixo em suas casas, misturando os resíduos recicláveis com os orgânicos, redobrando e prejudicando o trabalho dos catadores.
A atuação desses trabalhadores se dá de forma individual e autônoma, como também pode ser organizada por associações e cooperativas. Essa atividade profissional é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego desde 2002, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, no Brasil há em torno de 600 mil catadores que prestam um indispensável serviço à sociedade, já que abastecem as indústrias recicladoras e contribuem para o aumento da vida útil dos aterros sanitários, além de, claro, ajudarem a natureza, dando o correto destino ao material que pode ser reutilizado.
Em Vacaria, temos Associação de Catadores e Catadoras dos Campos de Cima da Serra, que funciona desde 2014 e encontra-se no bairro Jardim América, sendo coordenada pelo Secretário Geral Daladier dos Santos Pereira, o qual teve experiência durante doze anos trabalhando como catador nas ruas de nossa cidade.
A ASCASER possui vinte e dois associados e está localizada em um terreno de quase um hectare cedido pelo governo, que comporta uma parte habitacional onde alguns catadores residem, o galpão de separação do lixo, escritório, refeitório, sala de reunião e a parte de educação ambiental, espaço aberto para as escolas e entidades que fazem projetos envolvendo a reciclagem. O projeto foi feito pela UFRGS e ainda está em fase de construção, tendo como parceiros a UERGS, o Conselho Municipal de Educação e o Instituto Federal, o qual vai oferecer ainda este ano, um curso de artesanato feito com lixo reciclável para aumentar a renda das mulheres catadoras.
O local, extremamente organizado, é onde os catadores levam o material reciclável encontrado nas ruas, para separação, armazenamento e comercialização. Todos os dias este trabalho é realizado e cada catador pesa e anota a quantidade dos resíduos arrecadados, para então, uma vez por mês serem pagas as despesas da associação e após ser feita a partilha do lucro obtido.
É importante ressaltar que nem todos os catadores de Vacaria são associados. Há ainda uma cultura individualista muito forte no setor e é um trabalho árduo trazê-los para a associação. “Os catadores individuais acabam levando tudo pra suas casas, deixando o local mal cheiroso e com muita coisa acumulada. Então, os vizinhos começam a reclamar, há intervenções irregulares da polícia e o problema acaba se alastrando. Se o poder público tivesse um trabalho articulado para trazer o povo para cá, isso nao aconteceria”, explica Daladier.
O trabalho que já é bem realizado, poderia ter mais eficácia se existisse investimento público e fosse encarado como uma responsabilidade de todos. A reciclagem, deveria começar na casa de todo cidadão, onde o único objetivo do catador fosse dar o destino correto para cada material.
“Sofremos muito preconceito quanto a nossa aparência e o odor forte, porém a sujeira só acontece porque as pessoas colocam o pet dentro da mesma sacola da erva mate, por exemplo. O nosso trabalho se torna sujo pela irresponsabilidade do ser humano”, afirma Daladier.
A vida de um catador, definitivamente, não é fácil. Só esse ano em Vacaria, três catadores perderam a vida por estarem em situação de rua e enfrentarem problemas com alcoolismo, drogas e outros vícios, os quais dependem da intervenção governamental e de assistentes sociais para darem continuidade em suas jornadas.
Cintia é casada com Osmar há doze anos e ambos vivem do ofício de catadores. Ela é associada ao ASCASER e ele trabalha individualmente, porém seguem lado a lado em suas obrigações todos os dias. Com quatro filhos, três meninas e um menino, o casal leva os pequenos para trabalharem junto, no turno em que não estão na escola. “Para eles é um divertimento, apesar de eles realmente colocarem a mão na massa e já terem aprendido tudo sobre a separação dos materiais”, revela o pai.
Osmar comenta que a maior dificuldade que eles enfrentam é com o trânsito, já que os motoristas muitas vezes dificultam sua passagem, são grosseiros, não entendem que o carrinho precisa passar pela mesma via que eles e que o catador está em seu horário de trabalho. Já Cintia, declara que o preconceito é a pior barreira.
“Tem pessoas que atravessam a rua para não precisarem passar ao nosso lado. Minha família mesmo não aceita que eu e meu marido somos catadores. Acho que eles sentem vergonha e não enxergam que este é um trabalho digno e honesto como qualquer outro”, desabafa a esposa.
O estereótipo de um catador é de ser uma pessoa sem estudo, que não teve oportunidades na vida, com baixa renda e que sofre com as piores condições sociais. Porém, Osmar mostra que para toda regra, existe uma exceção. “Sou formado no curso técnico de jornalismo, já fui funcionário público e exerci cargos importantes durante minha trajetória. Porém, os caminhos da vida me trouxeram para esta profissão, na qual sou muito feliz e que desempenho com orgulho. Fico triste quando as pessoas apontam os catadores como pessoas desprovidas de intelecto, porque na verdade ninguém sabe o passado do outro e, muito menos, consegue medir a inteligência de nenhum trabalhador”, comenta.
Osmar é poeta e tem dois de seus textos publicados no livro Encontros Desencontros Hoje - Antologia de poesias, contos e crônicas, onde assina suas criações com o pseudônimo de Mario Khamud Alli. Confira as poesias abaixo:
Lágrimas
Lágrimas, em cada gota uma solidão
Um sentimento, uma ausência, você
Vejo dentro de cada gota um oceano
Um sonho, uma ilusão, enfim, você
Nessas lágrimas insistentes e vorazes
Busco algo que me faça sentir melhor
E você, onde estás? E você o que faz?
Cada gota que, lenta, desliza na minha face
Traz de volta nosso tempo, nossa ilusão
Nossos sonhos! Futuro insistente
Ora adolescentes, ora jovens, agora velhos
A cada gota dessas lágrimas frias, vazias
Busco um pouco de você no pouco de mim
Um tudo de nós dois mesmo tão solitários
Ainda que em meio a esta multidão que passa
Sem ao menos conhecer a nossa história de amor
Poema da saudade
Quando a noite com seu negro manto
Vem e cobre a terra com sua negrura
Entristece meu pensamento, solitário
Minha alma me desestrutura
E, assim, a solidão domina meu ser
E a estrada da vida que longa se fez
Desta vez torna-se atalho do meu poema
Que escrevi, com tanto amor, só pra você
O cintilar das tão distantes estrelas
Fazem-me lembrar do brilho dos teus olhos
Que outrora haviam conquistado meu coração
Mas, o que restou de nós dois figura agora a emoção
O vazio e a tristeza do que ficou do nosso amor
Que fora pra nós embalo das madrugadas afora…
Autor: Osmar Vieira da Silva
Pseudônimo: Mario Khamud Alli
Retirado do livro: Encontros Desencontros Hoje - Antologia de poesias, contos e crônicas.