18 de Maio é o dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, debate este que se faz necessário devido aos dados assustadores e aos relatos de quem passou por essa situação. Um misto de sentimentos que faz com que a vítima sinta-se impotente, insegura e sem saber a quem recorrer. Ainda mais quando o perigo está mais próximo do que imaginamos
O 18 de Maio foi escolhido como dia de mobilização pela causa do abuso sexual de menores, devido a um crime bárbaro que apavorou o país. Nesta mesma data, em 1974, na cidade de Vitória (ES), a menina de oito anos, Araceli Crespo, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta, os quais nunca foram punidos. Nesta data, ocorrem várias intervenções, palestras e atividades por todo o Brasil, especialmente nas capitais, para conscientizar, mobilizar, sensibilizar e convidar toda a sociedade para que participe da luta em defesa aos direitos das crianças e adolescentes, para que os mesmos desenvolvam a sua sexualidade de maneira segura e no tempo correto.
Os crimes sexuais são considerados um dos mais delicados e difíceis de se lidar por vários motivos. O primeiro deles é a condição da vítima, que muitas vezes sequer tem a possibilidade de se expressar. E outras, que se expressam, mas possuem bloqueios, que somente habilidade e experiência dos servidores, acompanhados dos trabalhos especialmente colaborativos de equipes de psicólogas e assistentes sociais dos municípios, conseguem evoluir.
O trauma produzido nas vítimas é algo que muitas vezes impede que a verdade venha à tona e, na maioria dos casos, é seguido de ameaças de todo o tipo, tanto veladas, quanto específicas. Além disso, os abusos podem acontecer sem deixar vestígios físicos, sem penetração, por exemplo, tornando o crime tão repulsivo quanto, mas apresenta maior dificuldade para ser resolvido.
“As penas para os abusadores são bastante altas. Tivemos um caso recente em que o pai foi condenado a 45 anos de reclusão por abusar das filhas. Algo raríssimo de se ver em outros delitos”, comenta o delegado Carlos Alberto Defaveri.
Outro problema enfrentado é quando a acusação é usada apenas como um instrumento de vingança pela mãe, que quer se vingar do ex marido e o acusa de abuso ao filho nas visitas de final de semana, por exemplo. São poucos os casos em que o assédio não acontece, porém é preciso ter muito cuidado no momento do julgamento. Técnicas de oitivas e agora o depoimento especial e único, instituído em Lei, tornam a apuração desses crimes muito especial.
Em Vacaria temos a DPCA - Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente - que apura os atos infracionais praticados por adolescentes e também os crimes praticados contra crianças e adolescentes. Carlos Alberto Defaveri é o Delegado substituto, e o restante do quadro de profissionais é formado pelas escrivães Eliane Bianchi, Maria Helena Beneton e a Comissária Giseane Minuzzo. No início de 2018, a DPCA foi reforçada com uma investigação em dupla, atendida pelos servidores Cesar Dal Molin e Mauro Andreatta.
Em 2017 a DPCA obteve a melhor medição de produtividade do estado, no programa Qualificar (plano de metas e ações), instituído na Polícia Civil com a famosa Consultoria Falconi. Os municípios também têm participação importante, com rede de apoio de psicólogos, assistentes sociais, e, claro, o conselho tutelar, que tem o poder de abrigar imediatamente as crianças, tirando do jugo da suspeição ou autoria, ainda antes de manifestação judicial.
O CREAS - Centro de Referência Especializado em Assistência Social - é um serviço na Proteção Social Especial de Média Complexidade, que compõem os serviços da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, destinado ao atendimento de crianças, adolescentes, PCDs (pessoas com deficiência), idosos, mulheres e suas respectivas famílias, em decorrência de situações de risco social e pessoal por violação de direitos. Essa violação acontece nos casos de abuso sexual, abandono, maus tratos, violência física e psicológica, negligência e violência doméstica.
Em Vacaria, o serviço, que está completando dez anos de atendimento neste mês, conta com a coordenadora Rosí Paim Bonella, a assistente social Camila Ventura e as psicólogas Marta Kramer Silveira e Laura Nicoletti Borges. A equipe de profissionais desenvolve ações baseadas na acolhida, escuta, estudo social, diagnóstico social, visita domiciliar, construção do plano individual de atendimento, bem como encaminhamentos e orientações às famílias.
Os casos de abuso sexual de crianças que chegam até o CREAS, são os mais variados possíveis.
“Em sua maioria, os abusos ocorrem dentro de casa, pelos pais, padrastos, avôs, tios e são sempre seguidos de ameaças para que as vítimas nunca contem. O que varia bastante é o fato da mãe saber, acobertar e proteger o abusador, daquelas que nem imaginam. Atendemos também mulheres que depois de adultas resolveram se abrir, sobre o que aconteceu com elas ainda na infância, mas que a mesma nunca teve coragem de expor”, explica Marta.
Uma das dificuldades enfrentadas pelas psicólogas, é quando a vítima é uma adolescente. Nesse caso, os julgamentos machistas da sociedade atrapalham na resolução do real problema. “As pessoas tendem a dizer que, quando acontece com uma adolescente, que foi ela que provocou, que se insinuou, que quis que o abuso acontecesse. A culpabilização da vítima é um preconceito ainda muito enraizado na sociedade e que precisa acabar”, completa Marta.
Além de se tratar de um crime que não tem testemunhas, o abuso não se trata apenas de consumar o ato sexual, mas a simples manipulação feita de maneira libidinosa já é considerada crime.
“Em muitas perícias, não são encontrados vestígios, já que não houve o rompimento do hímen da menina e nem odepósito de sêmen. Porém, na avaliação psicológica, detectamos que a criança ou o adolescente estão, sim, com sequelas emocionais, devido a um abuso que pode ter ocorrido de várias outras formas”, comenta Laura.
Ainda segundo Rosí Paim Bonella, coordenadora do serviço, a assistente social em conjunto com a psicóloga, realiza o atendimento através do acompanhamento das famílias cuidadoras e não abusivas, como uma forma de minimizar o trauma sofrido por estes usuários, sendo também uma maneira de comprometer a família na reconstrução da vida desta vítima, e no fortalecimento de suas funções protetivas.
Em 2017:
14 a 17 anos: 7 estupros;
De vulneráveis (inferior a 14 anos): 26 estupros;
Crimes em geral contra crianças e adolescentes: 419.
Primeiro trimestre de 2018:
8 estupros;
Crimes em geral contra crianças e adolescentes: 103.
No Brasil
Cerca de 67,7% das crianças e jovens que sofrem abuso e exploração sexuais são meninas. Os meninos representam 16,52% das vítimas. Os casos em que o sexo da criança não foi informado totalizaram 15,79%;
Entre 2012 e 2016, o Brasil somou em torno de 175 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, segundo último balanço de denúncias feitas ao Disque 100.
Tudo começou quando eu tinha 8 anos e fui visitar a minha bisavó, na casa em que ela morava com um dos filhos (meu tio avô), depois que meu bisavô havia falecido. Eu adorava ir para lá, a casa era enorme, vários quartos e cômodos para brincar de esconde esconde, tinha um pátio enorme com balanço de pneu, pomar, horta e tudo que uma casa pode oferecer para encantar uma criança.
Porém, o meu lugar dos sonhos, se transformou no castelo de pesadelos. Meu tio avô era animador de festa infantil, se fantasiava de super herói, personagem de desenhos infantis e também de palhaço, fantasia essa que mudou minha vida para sempre. Uma noite, estava me preparando para dormir, escovando os dentes, quando ele entrou no banheiro e, apesar de sentir muito medo na hora, não consegui gritar, correr, nem sequer me esquivar dele. É como se naquele momento, meu corpo e minha mente estivessem congelados.
Ele estava vestido de palhaço, segurando alguns balões na mão, enquanto me virou de costas e começou a tirar minha roupa, estourava os balões e me falava que, caso eu falasse para alguém sobre aquilo, o mesmo aconteceria comigo. Não sei dizer quanto tempo durou aquele horror, mas parecia uma eternidade. Naquele momento imaginei que nunca mais iria sair dali. Quando ele finalmente "terminou", fui deitar, sem conseguir dormir, é claro, pois o medo dele voltar no meio da madrugada tomou conta de mim.
No dia seguinte, voltei para casa e chegando lá resolvi contar pra minha mãe. Foi a pior coisa que eu poderia ter feito, levei a maior surra da minha vida, pois segundo ela, aquilo aconteceu porque eu havia permitido ou até mesmo provocado. Fui chamada de vadia, puta, ouvi várias vezes minha mãe falar que sentia vergonha de ter uma filha vagabunda, enquanto ela me batia com qualquer objeto que encontrava (chinelo, cinto, até um relho trançado).
Cresci achando que a culpa era minha. Nunca mais toquei no assunto, mas sempre me lembrava dele, principalmente quando via um palhaço ou escutava um balão estourar, toda a cena, com precisão de detalhes, voltava à minha cabeça. Quando completei 15 anos, fui morar com meu pai em outra cidade, sempre tínhamos discussões bobas, coisas de pai e filha, até que um dia tivemos uma briga séria. Ele me olhou e falou que eu deveria obedecer, pois ele era meu pai e foi então que eu disse: "Não irei te obedecer, pois quando mais precisei, tu não foste meu pai"! Sabe quando tu olhas pra uma pessoa e se dá conta de que ela não faz ideia do assunto que estás falando? Meu pai nunca soube do que eu passei, minha mãe nunca contou pra ele, ela mentiu pra mim falando que meu pai tinha o mesmo pensamento que ela, mas ele não fazia ideia do ocorrido.
A partir daquele momento comecei um acompanhamento psicológico, terapia e só aí pude entender que eu sempre fui e sempre serei uma vítima, vítima de um monstro, que tirou minha inocência, minha alegria da infância, me traumatizou, mas, principalmente, sempre serei uma vítima do preconceito de pessoas ignorantes, inclusive da minha própria mãe, que me apontaram o dedo, me julgaram e condenaram por algo que não fiz.
Hoje eu consigo contar a minha história para dizer que eu sofri e muito, pois descobri que pior do que um estupro é o fato de ser acusada de tê-lo provocado. Mas apesar disso até hoje não consigo ver palhaços ou escutar estouros de balões.
Não se cale. Não se oculte. Não se reprima. A culpa não foi minha, a culpa não é sua, a culpa nunca é da vítima.
(Vítima de abuso sexual na infância, hoje com 33 anos).
Uma menina de dez anos foi abusada sexualmente pelo companheiro da avó (homem de 65 anos), com quem morava na época. A vítima e sua irmã mais nova, com oito anos, estavam sob a guarda da avó, já que a mãe cumpria pena no presídio, devido a um envolvimento com o tráfico de drogas.
A mãe das meninas, ao sair da prisão, ficou sabendo do que estava acontecendo e registrou ocorrência contra seu padrasto na delegacia. Além disso, alegou que o mesmo também passou a mão nela algumas vezes.
No depoimento, a abusada conta que o infrator chegou a passar doce de leite do pênis, obrigando-a a fazer e receber sexo oral, além do manuseio e das tentativas de penetração. Os abusos ocorriam no porão da casa da avó e de madrugada, enquanto todos estavam dormindo.
Ao saber que sua irmã mais velha estava depondo, a irmã mais nova decidiu contar que também estava sendo molestada pela mesma pessoa e da mesma maneira. A pequena alegou que não tinha coragem de contar, pois o criminoso a enchia de ameaças.
O exame de verificação de violência sexual, constatou dilatação anal e vaginal em ambas as crianças. A mãe, inconformada com a situação, atentou contra a vida dos molestadores, tentando matá-los com um facão. O abusador encontra-se preso.
Denuncie:
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Delegacia de Polícia de Vacaria: (54) 3232-0100;
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente: (54) 3231-2931;
Conselho Tutelar - (54) 3232-6248.