Muitas pessoas ainda não sabem a diferença entre grafite e pichação, por isso trazemos especialistas para explicar cada prática, assim como as polêmicas que circulam esse assunto divisor de opiniões
Tanto o grafite quanto a pichação, são caracterizados por pinturas feitas com tinta de spray ou lata, nascidas no século XX, no estilo street, feitas na arquitetura urbana. Uma das diferenças entre elas é que uma é aceita e a outra não.
Grafitto, grafitti ou grafite tem seus primeiros registros na cultura parisiense, em 1968, e que naquele contexto foram feitos com cunho político e de contestação. A popularização da prática se deu nos Estados Unidos, na década de 70, unindo-se ao movimento hip hop e sendo produzido por jovens de periferias e guetos. No Brasil, o grafite apareceu logo após e hoje em dia tem nomes importantes na cena como Binho, Tinho, Speto e, os mais populares, Os Gêmeos, conhecidos internacionalmente com seus murais gigantes e a famosa pintura na fachada do avião da seleção brasileira de futebol.
A partir dos anos 2000, o grafite ganhou espaço em museus e galerias de arte, fato esse que é contestado por alguns grafiteiros, já que os mesmos acreditam que o lugar do grafite é na rua e que estando em um local fechado, perde-se o espírito do tradicional. Em 2011 passou a ser considerado uma conduta legalizada a partir de uma Lei Federal que tem como definição “grafite é a prática que tem como objetivo valorizar o patrimônio público e privado mediante a manifestação artística sob o consentimento de seus proprietários”.
Enquanto o grafite está ligado diretamente à imagem, a pichação advém da escrita, associando-se à palavra. Em São Paulo, por exemplo, usa-se a nomenclatura “pixo” e, em geral, são assinaturas do sobrenome de quem o fez, do grupo ao qual ele pertence ou um alfabeto. A pichação anda em uma linha tênue entre arte e vandalismo, já que sua prática é relacionada a delinquência e poluição visual, porém carrega consigo o fato de dar voz a população que nunca é ouvida pelas autoridades do país, parcela discriminada da sociedade que grita por justiça para com seus opressores.
É comum vermos, principalmente em cidades grandes e capitais, prédios pichados desde a calçada até o telhado. Na lógica dos pichadores, aquele que conseguir deixar sua marca no lugar mais alto, ganha prestígio entre os demais. A liberdade de expressão é o que move os pichadores, pois a arte é exposta de maneira direta entre o emissor e o receptor da mensagem. Pixos com frases como “Travesti também é gente” e “Chega de corrupção”, são exemplos de falas famosas escritas em inúmeros muros e propriedades por todo o Brasil, funcionando como ato político e poético.
O pixo incomoda a sociedade, já que é feito sem permissão e, por vezes, não é legível aos olhos de quem não está inserido no contexto. A pena para um pichador pode variar de três meses a um ano de prisão, ou ainda, em cidades como São Paulo, a multa varia de 5 à 10 mil reais para os que forem pegos em flagrante.
Bernardo Zanatta Maia tem vinte e um anos de idade, mora em Porto Alegre, e teve seu primeiro contato com o spray ao pintar sua bicicleta. Antes disso, esse vacariano grafiteiro já apresentava os primeiros sinais de que ia estudar e trabalhar no lado criativo, manual e artístico, já que as páginas de seus cadernos tinham muito mais desenhos do que conteúdo escrito. “Quando volto para Vacaria visitar meus pais, sempre acho um desenho ou esboço bem iniciante de quando tinha seis ou sete anos”, relembra.
O estudante de Design de Produto escolheu esse curso por poder trabalhar com todos os tipos de materiais, cores, linhas, formas, sem esquecer da parte gráfica, que, no final, resultarão no produto idealizado por ele. Seu foco, quando falamos em área de atuação, é na marcenaria.
Tanto em Vacaria quanto em Porto Alegre, Bernardo já tem obras em muros, quadros, interior de lojas e clínicas, entre outros locais. “Incentivar as pessoas a fugirem da monotonia desse mundo cinza, no caminho da casa para o trabalho, é uma das funções do grafiteiro. Dar vida para um lugar abandonado é minha modalidade preferida na capital, e acho que é algo que poderia ser muito mais incentivado em nossa cidade também”, comenta.
Entre inúmeras diferenças entre as duas cidades em que o grafiteiro tem experiência, ele destaca as que mais lhe chamaram atenção nesse tempo morando fora.
“No interior tem muito preconceito com coisas que fujam da rotina de uma cidade pacata como Vacaria. Um exemplo disso é alguém que ganhe a vida, ou que leve o grafite apenas como um hobby, em POA é visto como artista, em Vacaria, como um vagabundo. Em cidades grandes as pessoas são muito mais abertas a receberem um grafite em seu muro e nos encontros de grafiteiros todo mundo conversa, troca ideia, tem respeito um pelo outro, e todos querem somar trabalhos juntos, não existe concorrência”, relata.
Sobre a pichação, sua opinião é bastante incisiva. “O pixo é motivado pelo desgosto das pessoas. Uma pichação está ali pra ser xingada mesmo, afinal, se fosse para receber elogio, o cara faria um grafite. Além disso, um pixo bem feito é mais bonito do que muitos grafites por aí. E do contrário que muitos pensam, pichar não é apenas jogar tinta na parede e sair correndo. Um pixo bem feito leva tempo para ser aperfeiçoado, muito estudo em cima das letras e muito sentimento por trás da tinta”, explica.
Um dos projetos de Bernardo para o futuro é unir seus cursos de marcenaria, com o aprendizado da faculdade e o amor pela arte, produzindo móveis em madeira que tenham uma parte grafitada, bem urbana, com tags, pichações e, claro, o grafite.
Eduardo Guedes tem vinte e cinco anos e desenha desde criança, passando pela fase dos desenhos de vilão, super heróis e paisagens, e se aperfeiçoando, a partir de sua adolescência, em fantasia medieval, caveiras, puxando pro realismo, e tudo isso sempre à lápis. De repente, surgiu a necessidade de colocar cor em suas criações e aí vieram as canetas molhadas e o trabalho linear.
O até então desenhista, quase se formou em Design Gráfico na FSG de Caxias, mas se encontrou mesmo na faculdade de Licenciatura em Artes Visuais da Unopar, aqui mesmo em Vacaria, que tem como foco a questão pedagógica e prepara futuros professores para a vida em sala de aula. Após um semestre do curso, foi que o grafite surgiu em sua vida. “Achava a arte do grafite muito distante da minha, porque usava cores em excesso e não se parecia com os meus gostos iniciais. Porém, em 2016 comprei algumas latas para tentar experimentar e me apaixonei”, relembra.
Os primeiros trabalhos foram em uma pista de skate e depois se proliferaram pela cidade toda, já que os convites não pararam de surgir. Tem suas criações expostas em muros de escolas como o Padre Pacífico, Irmão Getúlio, Duque de Caxias, em alguns shapes de skate, interiores e fachadas de lojas, telas, entre outros.
“O grafite tem uma questão social envolvida, porque ele fala a linguagem dos jovens. Acredito nessa arte como uma ação socioeducativa”, comenta.
Em seus desenhos, Eduardo traz elementos que remetem aos valores da sociedade. Grafitando palavras como Hope (esperança em inglês), Respeito, Live Now (viva agora em inglês), Amizade, True e Lie (verdade e mentira em inglês) entre tantos outros, o grafiteiro tenta fazer com que as pessoas reflitam sobre suas vidas e atos, ao se depararem com o seu desenho no caminho para casa. “É complicado quando as pessoas são ignorantes e conservadoras demais. Sou contra o monopólio cultural e acredito que precisamos encontrar um equilíbrio entre o conservadorismo e as ideias libertárias”, finaliza.
Quando indagado sobre pichação, a ideia não difere de seus colegas de profissão e de pessoas do meio. “O pixo é para ser hostil, provocativo e é feito para a pessoa ter um sentimento ruim, mas que a faça pensar e crescer. A pichação nada mais é do que os menos favorecidos dizendo “eu existo”. Não gosto da questão territorial, e das guerras de gangues, porém o pixo tem o seu papel a cumprir na sociedade, quando feito de forma política”, explica.
Eduardo ainda reflete sobre o fato da arte ainda ser um campo elitizado, sendo o grafite para o consumo de todos, sem discriminação de classe social. “O grafite migra para galerias fechadas, porém seu espírito é de estar a céu aberto e ao alcance de todos”, finaliza.
"Sempre tive muita vivência de rua, andava de skate, participava de roda de rap com meus amigos e foi assim que me apresentaram a pichação. Ao contrário de muitos, não tive o contato com o desenho livre, em papel e caneta, antes de passar para as paredes.
A cena em Vacaria era diferente do que é conhecida em âmbito nacional, ou seja, não tinha cunho político e nem de manifestação. A gente se organizava em grupos rivais, que atacavam os outros alterando as suas pichações, tentando contabilizar sempre o maior número de desenhos pela cidade e alcançando os lugares mais altos. No período de tempo de 2014 a 2016, o nosso grupo chegou a ter 230 pichações aqui na cidade e em torno de 30 integrantes.
Já fui abordado uma vez pela Brigada Militar, não em flagrante, mas após ter pichado. Na minha opinião, o fato de ser proibido é o combustível para os pichadores. A abordagem da polícia, normalmente, é violenta e o abuso de poder acontece, causando constrangimento e situações vexatórias.
É normal que as pessoas montem o estereótipo do pichador como um marginal, vagabundo, que não faz mais nada da vida além do pixo. Porém, tem muitas pessoas que trabalham, estudam, são pais de família, bem apresentados, mas que de madrugada saem para pichar por pura adrenalina.
Hoje em dia não picho mais e tenho uma visão diferente do que eu tinha há anos atrás. Entendo que é proibido, que a briga dos grupos não leva a nada e, por isso, prefiro grafitar. Afinal, o grafite é a mesma coisa que eu fazia antes, só que aperfeiçoado e legalizado. Participo de ações e projetos sociais que ensinam crianças a grafitar, já sou contratado para fazer trabalhos que me dão retorno financeiro e isso é muito gratificante".
Depoimento de um ex-pichador vacariano.