Missão possível

Débora Pinter é Advogada Internacionalista, membro co-fundador da Advogados Sem Fronteiras no Brasil. Profundamente engajada em causas de direitos humanos embarcou, no final de 2022, para uma missão no Haiti: trazer centenas de crianças que estavam separadas dos seus pais, os quais já tinham vindo morar no Brasil em busca de trabalho. Saiba tudo sobre essa experiência emocionante em mais uma Expedição

01/01/2023 Expedição Carolina Padilha Alves

Natural de Vacaria, mas morando em Itajaí há 3 anos, Débora é Mestre em Direitos Migracionais e começou a viajar o mundo devido às suas atividades profissionais. Hoje ela já percorreu mais de vinte países, a lazer ou a trabalho, mas destaca que o destino que mais tocou seu coração foi o das últimas 3 viagens, ocorridas em menos de 2 meses (Outubro e Novembro de 2022), entre República Dominicana e Haiti.

“Posso dizer que esse foi o trabalho mais desafiador de toda minha carreira. Como advogada, criei uma tese de reunião familiar para crianças haitianas que pretendem vir morar ao Brasil com seus pais, mas que em virtude da pandemia foram impedidas pelas restrições impostas pelo governo brasileiro. Essas ações se multiplicaram pelo país todo, criando uma robusta jurisprudência no tema. Buscando destravar esses entraves, e vendo a dor e o sofrimento das crianças longe de seus pais, é que decidi ir de encontro às dificuldades, para solucionar o problema”, explica ela.

Para contextualizar, é importante dizer que o Haiti está vivendo uma verdadeira guerra civil. Um terremoto maior ainda que o de 2011 abalou o país em 2021, que já estava completamente com suas instituições comprometidas e subjugadas a milícias. Violência, miséria extrema, surtos de cólera, racionamento de alimentação, água não potável, são apenas algumas das coisas que vem acontecendo. Então, decidir ir ao Haiti nesse contexto, foi praticamente uma missão.

Débora nos conta sobre as dificuldades encontradas no percurso.

“Na primeira viagem, fui a Punta Cana, de lá para Santo Domingo e depois para Dajabon, a fronteira com o Haiti. Quanto mais me aproximava da fronteira, mais sentia o perigo. Atravessei a pé, com uma pessoa que estava responsável pela minha segurança. Passei algumas horas em Ouanaminthe, a primeira cidade do Haiti, para então embarcar num ônibus em direção a Porto Príncipe. Naquilo que seria uma viagem interminável de 10 horas, para percorrer não mais que 300km. Um verdadeiro terror! Esse trecho que fiz, na minha terceira ida para lá já não seria mais possível fazer, pois hoje a cidade de Porto Príncipe se encontra sitiada pelas gangues. Ninguém entra nem sai, a não ser pelo espaço aéreo”, diz ela.

A viajante relembra que a alimentação também foi extremamente precária. Mesmo estando em um hotel 5 estrelas, o banho era só gelado e a comida racionada. Na porta, ficavam seguranças armados 24hrs, para garantir tranquilidade aos hóspedes, que quase em sua totalidade, eram funcionários de ONGs ou embaixadas.

O país vive de fato uma situação deplorável. As pessoas só querem escapar, sair de lá, sem conseguir, pois sequer a República Dominicana que divide com eles a mesma ilha, não permite a entrada de haitianos sem visto.

“Durante essas viagens passei fome, literalmente, tomei banho de caneca, fiquei sem dormir e senti muito medo. Mas uma confiança extrema de que o que eu estava fazendo era importante e necessário. E então, a minha terceira viagem ao Haiti, da qual cheguei no dia 31 de outubro passado, foi a que mais me marcou, e ficará eternizada na minha memória. Na ocasião, consegui trazer 101 haitianos, sendo a maioria crianças. Eu estava como única responsável pelo total de 18 delas, as quais me deram um trabalho danado nesses dois dias em que estiveram comigo, já que desembarcamos em Manaus, sendo que o destino final era Itajaí”, diz a advogada.

Após cumprir sua missão com coragem, fé e, felizmente, terminá-la com êxito, a vacariana afirma que todas as pessoas deveriam ter a experiência de viajar, conhecer lugares diferentes, nem tanto como turista, mas para entrar mesmo no cotidiano dos nativos, seja pela comida, manifestações culturais, etc. Nas palavras dela, “cada pessoa conhece seus limites, e é importante permitir-se o novo, o desconhecido, cada qual no seu ritmo”.

Débora assistiu o encontro de crianças com seus pais, que não viam há anos. Em suas primeiras experiências em solo brasileiro, viu essas crianças terem espasmos de alegria pelo simples fato de poder tomar um banho com água corrente, fazer uma refeição normal, ou mesmo tomar um copo d’água.

“Tudo isso transformou a minha vida. Muitas pessoas, em busca de autoconhecimento e iluminação, vão para Santiago de Compostela. Eu nunca fiz esse roteiro, mas sem dúvida acredito que não tenha nada mais transformador que uma viagem como esta que tive oportunidade de fazer”, finaliza ela, satisfeita.

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