Referência no tratamento com o imigrante

Quem morava em Vacaria há uma década atrás, lembra-se de ver homens de outros países chegando e tentando vender suas mercadorias nas calçadas do centro da cidade. Graças a ajuda de um cidadão vacariano, depois de muito sufoco, hoje eles ganharam seu próprio espaço no camelódromo e fazem parte do desenvolvimento do município. Vamos conhecer as histórias de Youssou e Ousmane, dois senegaleses que moram aqui há bastante tempo e trabalham de segunda a segunda para garantir o sustento de sua família que, infelizmente, acabaram deixando para trás

01/04/2022 Especiais Carolina Padilha Alves Penélope Fetzner

Há aproximadamente dez anos, chegavam em nossa cidade os primeiros imigrantes, que saíram de seus países em busca de melhores condições de vida. Aqui chegaram sem ter estrutura nenhuma, sem falar a nossa língua e sem dinheiro, apenas com vontade de trabalhar.

E foi assim que Fabiano Vacaria, hoje vereador e Presidente da Câmara de Vereadores, ficou conhecendo-os: com toalhas estendidas nas calçadas, vendendo suas mercadorias.

“Na época eu era gerente de uma loja no centro e fiquei sensibilizado com aquela situação, quase desumana, em que eles se encontravam. Fui tentando uma comunicação com eles, ajudando no que eu podia, até que ficamos verdadeiros amigos”, relembra ele.

Porém, na cabeça de Fabiano, aquele apoio que ele estava prestando ainda não era o suficiente. Em seguida, empresários e comerciantes do centro começaram um movimento contra os ambulantes, já que, por sua vez, gerava concorrência com as lojas já existentes na cidade.

“A maioria das pessoas dificultaram ao máximo tudo o que podia para eles. Imobiliárias pediram aluguéis adiantados, fiadores, e quando conseguimos tudo, elas mesmo assim não queriam alugar casas para eles. Acabavam morando em pensões longe do centro e, ainda por cima, caras”, conta o vereador.

Esse período conturbado gerou muito estresse e sofrimento, mas por outro lado, teve um resultado excelente. Depois de muita luta, foram improvisadas tendas para tirá-los das ruas, realocando-os para não atrapalharem a passagem de pedestres. Posteriormente, foi desenvolvido o projeto do camelódromo, que uniu o varejo, com uma pequena praça de alimentação, iluminação, bancos, criando assim um ótimo ambiente para todos.

“Hoje eles moram próximos de seu trabalho, em apartamentos, e os corretores ligam oferecendo se eles querem alugar, pois sabem que são corretos e tem um ótimo caráter”, aponta Fabiano.

Na época da safra, Vacaria chega a receber de trezentos e cinquenta a quinhentos imigrantes de vários lugares do mundo, como Peru, Venezuela e Haiti. Eles estão espalhados em diversas empresas, pomares, lojas, entre outros.

E foi assim que Vacaria ficou conhecida como referência no trato com o imigrante, já que cidades maiores, como Caxias do Sul, ligam para cá para entender como foi feita a regulamentação dos vendedores ambulantes no município.

“Todos eles abriram MEI, compram com nota, e não participam de contrabando. Por vezes a polícia já fez batidas para monitorar, e nunca encontraram nada de errado”, afirma Fabiano.

Mas a luta não para! Agora como político, Fabiano Vacaria tem ainda mais força para fazer as coisas acontecerem. E por isso, um novo projeto está em construção, para a criação de um Centro de Informação ao Imigrante, onde eles podem se dirigir ao chegarem aqui, para ter o encaminhamento correto, vistos renovados, entre outros serviços. Os tratativos estão acontecendo com a Secretaria do Desenvolvimento Pessoal e tudo está sendo aprimorado para que logo aconteça.

“Sabemos que sem isso, eles não conseguem bons empregos, não ficam aptos para alugar moradia e ainda correm o risco de serem deportados. É uma troca de favores, já que eles também são responsáveis por fazer a economia do nosso município girar”, acrescenta ele.

Um dos primeiros a chegar

De seus trinta e nove anos de vida, os últimos nove ele passou aqui em Vacaria. Youssou Soumare, foi um dos primeiros senegaleses a chegar aqui, com apenas um banco e uma mala, onde guardava seus pertences e produtos para revender. Em uma toalha, estendia a mercadoria nas calçadas e esperava pelos compradores diariamente.

“No primeiro ano, enfrentei muito preconceito. Ninguém queria me alugar uma casa para morar, passei muito frio, fome e demorei para me acostumar com tudo. Noto que a maioria das pessoas da cidade nunca viajou para fora. Garanto que se eles tivessem essa vivência e fossem para outros países, iam saber que tudo é gente igual. É preciso conhecer o mundo para entender que não se deve fazer distinção”, diz ele, sabiamente.

Youssou sustenta ao todo vinte pessoas de sua família, mandando dinheiro mensalmente para sua casa, principalmente para seus dois filhos que não vê há três anos. “Deus sempre ajuda as pessoas que lutam pelos familiares. Mando dinheiro pra não faltar comida para eles e quando consigo, fico muito feliz”, diz o comerciante.

Situações desconfortáveis já aconteceram, como por exemplo, ao notar que Youssou não entendia direito a moeda brasileira, clientes pagavam com notas de dois reais, dizendo que era de cem, e ainda pediam troco. “Hoje isso não acontece mais, pois temos entendimento de quanto vale a moeda aqui. Mas mesmo com esse prejuízo inicial, somos gratos a clientela vacariana, pois sempre tem aqueles que nos ajudam no dia a dia”, completa ele.

Sua religião é a Muçulmana, e quando indagado sobre sua reza e crença, ele nos conta que para de rezar apenas para atender os clientes, e carrega consigo um amuleto, como se fosse um terço, enrolado no pescoço para proteção. Em relação ao matrimônio e o regime de casamento no Senegal, ele explica uma curiosidade sobre o país.

“Lá cada homem pode ter até quatro esposas. No meu caso, escolhi ter só uma, que está lá me esperando, e considero ser completa. Não preciso ter mais que isso”, afirma.

O imigrante não quis ir com os demais para o camelódromo, e alugou seu cantinho em frente a Praça Daltro Filho, para tentar diferenciar-se dos demais, ficando em um ponto central da cidade, com bastante fluxo. Hoje, ele mora no prédio ao lado de onde trabalha, tem uma vida confortável e já projeta planos futuros. Segundo ele, tudo isso só foi possível graças à ajuda do Fabiano Vacaria.

“Sonho em ter uma loja grande, com funcionários. O empreendimento vai se chamar Fabiano, assim como minha atual tenda, e, se algum dia eu tiver outro filho, vai se chamar Fabiano também. Em nossa cultura, se alguém faz bem para você, você coloca o nome da criança em homenagem a ele”, conclui, agradecido.

Cidadão brasileiro

Há sete anos atrás, Tine Ousmane chegava em Vacaria, assim como seus conterrâneos, para buscar sustento e melhores condições de vida para sua família, que ele acabou deixando no Senegal. Falando apenas o dialeto de seu país e Francês fluente, o imigrante aprendeu português na prática, e hoje trabalha com seus colegas no camelódromo de nossa cidade.

Ousmane nos explica que, na sua cultura, o homem que sai em busca de sustento para seus familiares, é considerado forte, honrado e tratado como herói em seu retorno. No mês desta publicação, Ousmane está de volta ao Senegal por algum tempo, numa viagem que demora em torno de dois dias para chegar no destino por conta das escalas. Lá está visitando seus pais, esposa e duas filhas que não via há três anos, apenas conseguia falar por chamada de vídeo.

Ele ainda dividiu conosco outras curiosidades sobre sua cultura, como por exemplo, a maneira como as refeições são feitas em sua terra natal.

“Lá comemos todos no mesmo prato, ele é gigante, e então, todos nos colocamos ao redor dele e pegamos o alimento com as mãos, em real comunhão. Porém, a época do Ramadã está chegando, que é quando, durante todo o mês de Abril, praticamos o jejum. Somos acostumados a fazer desde que nascemos, por isso não é sofrido ou difícil”, afirma ele.

Mas a melhor novidade de todas para Ousmane, é que agora ele também é cidadão brasileiro, já que conseguiu sua documentação e sente-se feliz pela acolhida.

“Sou gaúcho e vacariano”, conclui ele, feliz com a conquista.


REDES SOCIAIS

FACEBOOK INSTAGRAM
O conteúdo das ofertas é de responsabilidade exclusiva de seus anunciantes.