Um ano de pandemia

Neste mês de Março, faz exatamente um ano que o Coronavírus chegou com força em nossa cidade e que todos ficamos cientes do real perigo invisível que se aproximava. Em meio de tantas opiniões e pesquisas sobre o assunto, conversamos com um médico que trabalhou diretamente na ala Covid do hospital e também com uma pessoa que perdeu familiares devido à infecção da doença. Ainda ouvimos um dos primeiros profissionais da saúde a ser vacinado em Vacaria e apresentamos o caso que mais repercutiu, gerando até corrente de orações entre os vacarianos

01/03/2021 Especiais Carolina Padilha Alves

O Brasil e o mundo pararam em 2020. Passamos a usar máscaras, a cuidar ainda mais da higiene das mãos, lavando e passando álcool gel a todo momento, alguns começaram a lavar absolutamente todas as compras do mercado, a tirar os calçados para entrar em casa, não nos abraçamos mais e o distanciamento social obrigatório foi a grande novidade para pessoas de todas as idades.

Tudo isso em função da pandemia do Covid-19 que, até o momento em que escrevemos essa matéria, o número de mortes já havia superado a marca de 236 mil brasileiros que perderam suas vidas para a doença.

Entre tantos estudos, especulações, opiniões e fake news, fizemos algumas perguntas para o doutor Enderson Carlos Zulianello Da Silveira, o qual trabalhou diretamente na ala Covid-19 por alguns meses, e que poderá nos elucidar algumas questões importantes em torno da doença.

- Quais foram os principais sintomas nos pacientes que tratou?

É muito interessante, pois parece que cada paciente tem o seu próprio Coronavírus, já que cada pessoa evolui de forma diferente. Porém, os principais sintomas ainda continuam sendo os gripais típicos, como tosse seca, febre, dor de cabeça, mialgia e, com esse vírus, muito frequente alterações como perda de olfato e alterações do paladar.

- Quantas pessoas em média o senhor conseguiu tratar neste período de um ano em Vacaria e região?

Com certeza participei do diagnóstico e tratamento de mais de trezentas pessoas, a maioria em nível ambulatorial e também com participação em alguns tratamentos na UTI do Coronavírus em torno de oito meses.

- O que fazer no início dos sintomas? Todo paciente com sintomas deve fazer o exame para confirmar a doença?

Apesar de fazer apenas um ano de coronavírus no Brasil e isso ser considerado pouco tempo para certezas, sabemos que é preciso procurar um médico imediatamente. Houve má interpretação da frase “fique em casa” no início da pandemia, quando muitas pessoas permaneceram doentes em casa sem diagnóstico e tratamento, contribuindo, talvez, para uma mortalidade maior, já que acabaram procurando o recurso médico já em fases tardias da doença com comprometimento pulmonar acentuado. Lugar de gente doente é na frente do médico! Sou defensor do tratamento precoce, após o diagnóstico bem estabelecido e, havendo a disponibilidade de exames, deve ser feito no período mais apropriado de acordo com cada exame e estágio da doença. Se houver sintomas sugestivos e histórico de contato com casos confirmados, o isolamento deve ter início, mesmo sem a confirmação.

- Sobre a polêmica da Cloroquina. No tratamento, está correto usar esse medicamento ou não? É preciso levar em consideração o livre arbítrio de cada paciente? Existem outros medicamentos que podem substituir a Cloroquina?

Primeiramente, não podemos levar isso para nenhum lado político. Não existe nenhuma evidência científica da efetividade terapêutica da hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, tampouco que cause danos ao organismo em doses que vem sendo prescritas por alguns profissionais. Posso falar apenas da minha casuística, em que individualizo os casos e discuto o tratamento com o paciente, oferecendo ou não esse fármaco conforme suas comorbidades, estágio da infecção e sempre com o termo de esclarecimento e consentimento sobre os possíveis efeitos colaterais, sem jamais ferir a ética médica quanto ao seu princípio da não-maleficência. Provavelmente a vacinação já terá feito seu papel quando houver qualquer evidência científica e estudos com grande amostra de pessoas, para que a indicação desses fármacos possam estar em bula aprovada no Brasil pela Anvisa.  Tanto o médico que prescreve esses medicamentos, quanto o que não prescreve, não podem ser julgados em virtude de pouca informação, sendo um momento de expectativa grande e de preferência de cada profissional no manejo da doença, sempre de acordo com seu paciente ou não, sugerindo que esse procure uma nova opinião caso não satisfeito. O livre arbítrio de cada paciente é muito importante, desde a sua decisão de usar ou não a máscara, participar de situações em aglomero e de tratar-se ou não.

- Por quanto tempo o paciente continua transmitindo o vírus?

Em média por quatorze dias, por isso não apoio o isolamento por menor tempo. Defendo o isolamento vertical, por ser, na minha opinião, o formato mais inteligente.

- Quem já pegou o Covid-19, pode infectar-se novamente ou está completamente imunizado?

Temos que entender que esse vírus é só mais um entre tantos outros. Ele é comum, sendo que a única diferença é ter uma elevada capacidade de transmissão, porém com baixa letalidade. São muitos óbitos devido ao elevado número de casos, mas com uma letalidade muito baixa. Isso não diminui o sofrimento causado pela doença, sendo uma perda irreparável cada óbito registrado e sinto uma tristeza muito grande por cada paciente que perdi. A maioria dos vírus sobrevivem ao passar do tempo porque mudam sua genética e se tornam um vírus diferente após algum período de sua natureza genética. Por isso, sim, o Coronavírus pode ser pego novamente de acordo com suas mutações, assim como o H1N1, e assim por diante.

- Outras recomendações e observações que acha necessário destacar?

Médicos, enfermeiros, recepcionistas de clínicas e hospitais, e todos que estão na linha de frente e trabalham de forma ética e profissional, merecem respeito. As pessoas têm que ter mais critérios e conhecimento quanto aos seus comentários e não dar ouvidos às fake news na mídia. Isso acaba atrapalhando muito o trabalho de quem está tentando levar informações sérias para os cidadãos e pode atrapalhar a recuperação, tanto quanto a frase “Fique em Casa”, se mal interpretadas.

Sobre a vacina:

- Para aqueles que estão com o pé atrás, o que o senhor aconselharia? Para algum setor da sociedade o senhor não indica fazer? 

Se você já fez outras vacinas na sua vida, não tem por que não fazer essa! Temos vacinas de tecnologia até bem inferiores sendo aplicadas há anos e com eficácia comprovada se comparadas ao que está sendo feito para o coronavírus, então precisamos bater palma para a ciência. Nossa rede de distribuição vacinal nacional é excelente, tudo está sendo produzido muito rápido, podendo vacinar toda a população em até 10 dias se o insumo estiver disponível. Vacina é uma coisa boa, não existe outra maneira de combater esse vírus que não com ela. O plano nacional de imunização está disponível no site do Ministério da Saúde, onde todo mundo pode ler e vale a pena dar uma olhada. No contexto atual, esse plano visa primeiramente um controle da morbimortalidade, vacinando antes quem é muito exposto (trabalhadores da saúde) e pessoas com mais chance de morrer, caso sejam infectadas e desenvolvam formas graves da doença (idosos, diabéticos e obesos, por exemplo). 

O Plano Nacional de Imunização ainda não indica apenas para grávidas, menores de 18 anos de idade e alergia comprovada a algum componente específico da vacina. Acredito que será uma vacina com capacidade de vacinar a todos após um período aproximado de um ano de estudo em vida real, com novos dados detalhados sobre cada vacina.

- Quem já pegou o Covid ou está com sintomas no momento, deve se vacinar?

Esses dados vão ficar mais detalhados no futuro, porém quem já pegou o Covid-19 pode se vacinar a partir de um mês da infecção conforme descrito no Plano Nacional de Imunização para Covid-19. Quem tem sintomas, não deve tomar vacina nenhuma, nem de coronavírus e nem de qualquer outra.

- Depois de vacinado, continuar se cuidando com máscaras e álcool diariamente?

Os cuidados sanitários para quem já foi acometido pela doença e já foi vacinado ainda permanecem os mesmos para quem não foi. Acredita-se que, com essa vacina, assim como com as outras, a partir de 1 mês da vacinação já haja a possibilidade de maior flexibilização nos cuidados quanto a não pegar novamente, mas isso não diminui a capacidade de levar o vírus como carreador a uma pessoa não vacinada e contaminá-la. Tudo isso é muito polêmico e há a necessidade de manter os cuidados atuais até melhores informações verdadeiras e de fontes confiáveis. Lavar as mãos é um assunto de higiene e talvez o mais básico desde que nascemos. Então, basta continuar lavando-as e lembrar que o álcool gel é a melhor opção na ausência de água e sabão. As máscaras deveriam ser utilizadas principalmente por pessoas sintomáticas e em ambientes fechados. Em se tratando de saúde coletiva, até que a vacinação ampla da população se estabeleça, as máscaras têm um valor importante em diminuir a transmissibilidade do vírus. Assim fica o bom-senso e a consciência individual para o seu uso, sabendo que seria suficiente se pessoas sintomáticas a usassem corretamente e ficassem em casa com diagnóstico e tratamento já adequados.

A dor da perda

Mário Borges, apesar de estar sempre com um sorriso estampado no rosto, sofreu com a perda de dois entes queridos para o Coronavírus em 2020. Em Agosto do ano passado, faleceu seu pai, Abtino Silveira Borges, com oitenta e seis anos de idade, o qual era muito ativo, lúcido e não tinha problemas graves de saúde, apesar da idade avançada.

Seu Abtino era extremamente católico, assistia três missas por dia e tinha a fé como seu porto seguro.

“Eu e minha irmã já tínhamos conversado que, no dia que o pai falecesse, gostaríamos de fazer uma missa bonita, um velório florido, tudo como ele acreditava e merecia. E isso foi o que mais doeu, pois nem pudemos nos despedir. Do hospital, foi direto para o cemitério”, conta o filho.

Já em Setembro, Mário perdia seu sobrinho, André Borges Ferreira, com apenas vinte e cinco anos, o qual deixou a namorada e uma filha de quatro anos. Segundo o laudo médico, André sofria de uma bronquite mal curada, o que infelizmente agravou seu caso, por já ter fragilidade no pulmão.

“Ficamos apavorados pois, até então, tínhamos notícias de pessoas mais velhas que vinham a falecer do vírus. Quando veio a notícia do meu sobrinho que foi nos cair a ficha de que todos, independente da idade, poderiam estar em perigo”, relembra.

Mário e sua esposa Sara fizeram o exame e descobriram que, até então, não foram infectados pelo Covid e mantêm todos os cuidados possíveis em seu dia a dia, para evitar que isso aconteça. “É complicado ver o pessoal fazendo festas clandestinas, rodeios e vários eventos, levando tudo na brincadeira. Só quem perdeu pessoas queridas dá o real valor à saúde e entende a gravidade da pandemia”, conclui.

O poder da fé

Um dos casos que obteve maior repercussão em Vacaria e região, foi o de Osvaldo Bortolon, médico pediatra há quarenta e seis anos e que possui um número incalculável de pacientes que já passaram por seu consultório.

Dr. Osvaldo nos conta que, em uma de suas consultas, a criança espirrou em seu rosto. Um dia após o ocorrido, seu olho inchou, ficou vermelho, e sintomas de cansaço começaram a aparecer. Ao fazer o primeiro teste de Covid-19, o resultado deu negativo, mas não satisfeito, seguiu o protocolo, fazendo isolamento e tomando os devidos remédios. 

Ao fazer o segundo exame, dias depois, o resultado foi positivo e então, o Dr. Fábio Macedo, que estava cuidando de Osvaldo, solicitou uma segunda tomografia, bem como exigiu a internação de seu paciente. Sentindo-se cada vez mais debilitado, deu baixa no Hospital Nossa Senhora da Oliveira, e foi nesse momento que a situação começou a piorar.

“Lembro apenas de estacionar meu carro, entregar minhas coisas na recepção e acordei vinte e dois dias depois, já em Caxias do Sul”, explica.

Dr. Osvaldo sofreu de alterações do estado mental, que acontece quando baixa a oxigenação cerebral, sintoma este que atinge uma pequena parcela de pessoas que são infectadas pelo Coronavírus.

“Me contaram que eu atendia o telefone, conversava com as enfermeiras, respondia às perguntas do doutor, porém não tinha consciência. Depois descobri que fui entubado, recebi plasma e anticoagulante”, relembra.

No momento em que a notícia de que Dr. Osvaldo estava em estado grave começou a circular, Vacaria inteira uniu-se em oração, fazendo correntes e mandando pensamentos positivos para a rápida recuperação do médico. “O que mais me sensibilizou depois que eu voltei para a cidade, foram as orações, a mobilização, o amor que recebi. Isso gera uma força do universo muito grande que repercutiu na minha recuperação”, afirma ele, emocionado.

Com setenta anos de idade e quarenta e seis anos de profissão, Dr. Osvaldo repensou sua vida inteira depois que essa fase ruim passou. Ele abriu mão de seu consultório particular e doou todos os móveis para o lar das crianças, atendendo atualmente apenas na Unimed e no Asbaf.

Sem nenhuma sequela, ele afirma estar em melhores condições físicas e mentais, após o Covid, do que anterior a ele.

“Vejo melhor, sinto melhor. É como se tivesse soltado todas as informações e lembranças que guardo na mente. Consegui reestruturar toda a minha vida, decidi parar de acumular coisas e resolver meus problemas o quanto antes, sem deixar nada para depois”, reflete.

Colecionando experiências em uma caminhada espetacular no ramo da medicina, Dr. Osvaldo não pensa em parar tão cedo de exercer sua profissão, já que declara todo seu amor pela pediatria. “Sou grato por cada oração que fizeram por mim. O povo de Vacaria merece todo meu respeito, admiração e carinho”, finaliza, contente.

A vacina chegou!

William Hoffmann é fisioterapeuta há sete anos e foi um dos primeiros profissionais da saúde a ser vacinado em Vacaria. Sem nenhuma reação, apenas dor no local da aplicação, ele tomou a vacina Oxford/Astrazeneca, com primeira dose dia 30 de Janeiro, e segunda dose agendada para 26 de Abril.

“Tinha muita expectativa para esse momento, uma ansiedade grande para que esse dia chegasse. Desde a noite anterior e a chegada na fila, até a hora da vacinação, o sentimento era de esperança! Esperança de dias melhores, da vitória da humanidade e da ciência. Apesar de muitas pessoas terem perdido entes queridos, a vacina nos dá a sensação de que estamos no início do fim da pandemia”, comenta.

O profissional trabalha na modalidade home care (atendimento domiciliar), ou seja, está sempre entrando e saindo das casas de seus pacientes. Tem contato com diversas pessoas durante o dia e, mesmo usando todos os EPI's e priorizando os cuidados, estava correndo o risco de se contaminar e transmitir para outras pessoas, o que felizmente não aconteceu. “Atuo na reabilitação de pacientes que tiveram Covid-19. Vivi de perto a dificuldade de pessoas que vinham até mim para fazer a reabilitação fisioterapêutica, tentando voltar o mais próximo possível do seu estado funcional prévio à infecção. Pessoas que éramos acostumados a ver trabalhando, passeando com seus filhos e netos, praticando exercícios, apresentavam dificuldade para ir do quarto ao banheiro, varrer a casa, subir e descer escadas, etc. Apesar de ser um momento delicado, fico muito feliz e orgulhoso de ter ajudado esses pacientes a retomar a vida e suas atividades laborais e de lazer”, finaliza, realizado.

Enquanto isso, o restante da população aguarda ansiosamente as suas doses, garantindo tranquilidade a todos e um recomeço cheio de planos, com um novo olhar para a vida.

 

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