Vida no escuro

Vivemos em uma sociedade multifacetada, com uma imensa diversidade de pessoas e suas particularidades. Por isso, nesse mês de Dezembro, quando é comemorado o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, apresentamos uma matéria especial sobre o assunto, mostrando a importância da conscientização e incentivo à solidariedade humana

01/12/2018 Especiais Carolina Padilha Alves Tiago Sutil

13 de Dezembro é o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, data essa criada em 1961, pelo então presidente Jânio Quadros. Para os religiosos, o dia também celebra Santa Luzia, a protetora da visão.

Essa data é muito importante para conscientizar as autoridades e sociedade sobre a importância de oferecer qualidade de vida para os deficientes visuais, que enfrentam sérios problemas no dia a dia, desde a falta de acessibilidade a locais comuns, até a baixa autoestima.

A inserção no mercado de trabalho e os métodos de ensino já sofreram modificações e evoluíram com o passar do tempo, porém ainda são um desafio, levando em consideração a falta de estrutura social e a mentalidade preconceituosa de alguns cidadãos. Outro ponto a ser analisado é que algumas leis brasileiras existentes para esse público, muitas vezes, são descumpridas e ignoradas, fazendo com que a vida social do deficiente visual seja quase nula.

Entenda a deficiência visual

A deficiência visual caracteriza-se pelo comprometimento parcial ou total da visão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os graus dessa deficiência podem ser divididos em:

  • Baixa visão: neste caso, a visão do paciente pode ser ajudada e compensada com o auxílio de lupas, bengalas, treinamentos de orientação, telescópios, lentes de aumento, entre outras;

  • Próximo à cegueira: esta pessoa já emprega o sistema Braile para ler e escrever, faz uso dos recursos de voz em equipamentos eletrônicos, usa a bengala, faz treinamentos para orientação e mobilidade, consegue distinguir luz e sombra;

  • Cegueira: aqui não existe qualquer percepção de luz. O sistema Braille, a bengala, e os treinamentos de orientação e mobilidade, nesse caso são fundamentais.

O diagnóstico da deficiência visual pode ser feito ainda cedo, exceto nos casos de doenças que sofrem uma evolução durante os anos, conhecidas como degenerativas, como é o caso na catarata e o glaucoma, por exemplo. Miopia, astigmatismo ou hipermetropia não são consideradas deficiência visual, já que são doenças que podem ser corrigidas por meio de lentes e/ou cirurgias.

Aprenda como facilitar a vida dos deficientes visuais em casa e na escola:

  • Primeiramente é importante fazer o exame de acuidade visual, assim que a criança sinta alguma dificuldade para leitura, dores de cabeça ou vista cansada;

  • Explique para o aluno ou para o familiar em casa, a disposição dos objetos na sala de aula ou no espaço doméstico. Mantenha cadeiras, mesas, estantes, sempre no mesmo local e, caso haja alguma alteração, comunique-o previamente;

  • O entorno da casa e escola devem ser acessíveis, colocando sinalizações como: pisos táteis, corrimões, escadas com contrastes de cor, corredores desobstruídos, sinalização em Braille, entre outros;

  • A alfabetização de cegos ou crianças com grau elevado de deficiência visual é simultânea às demais crianças. Isso se o processo tiver suporte do Atendimento Educacional Especializado;

  • É importante ressaltar que, de acordo com o Decreto 6.571, o Estado tem o dever de oferecer apoio técnico e financeiro para que o atendimento especializado esteja presente em toda a rede pública de ensino. O aluno cego tem o direito de usar materiais adaptados, como alfabeto Braille, livros em Braille, desenhos em alto relevo, jogos adaptados e softwares criados para cegos e baixa visão, por exemplo.

Sistema Braille

O Sistema Braille, leva esse nome por causa de seu criador, Louis Braille, que perdeu a visão aos três anos de idade e inventou esse sistema aos dezesseis, a partir de outra metodologia de leitura para cegos desenvolvida anteriormente, porém, pouco conhecida.

O Braille chegou no Brasil em 1854 e hoje estima-se que 400 mil deficientes visuais estejam usando-o em nosso país. Composto por 64 símbolos em relevo, resultantes da combinação de até seis pontos, dispostos em duas colunas de três pontos cada. Pode-se fazer a representação tanto de letras como algarismos e sinais de pontuação. Ele é utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão, e a leitura é feita da esquerda para a direita ao toque de uma ou duas mãos ao mesmo tempo.

Apesar de parecer difícil, ler em Braille é simples: basta gravar os símbolos e a leitura acontece normalmente, tanto com o tato, quanto com a visão. Sua eficiência é comprovada, porém o sistema ainda não conseguiu atingir todos os espaços sociais. Um exemplo simples são as placas de feminino e masculino nos banheiros públicos, onde não há o escrito em Braille, tornando-se praticamente impossível que um cego consiga se localizar sem a ajuda de outra pessoa. Muitos outros casos se manifestam, como cardápios, placas com os nomes das ruas, cartazes e folders informativos, etc.

Aos olhos de quem não vê

A Associação de Deficientes Visuais de Vacaria - ADEVIVA - abriu suas portas em 2002 e conta, desde essa data, com o trabalho voluntário da professora Vanda Lima Michelon. O grupo atualmente está com dez integrantes, que se reúnem uma vez por semana para conversar, trocar experiências, realizar atividades voltadas para o público cego e, principalmente, dividir as angústias e dificuldades do cotidiano do deficiente visual.

A presidência da associação é de Maurício da Silva Rosa, tendo como seu vice, Darlan Barboza da Silva, o qual também é deficiente visual. Eles, juntamente com Vanda, dão assistência e desenvolvem as potencialidades de pessoas cegas e com baixa visão, e disponibilizam serviços como a alfabetização em Braille, além de possuírem uma biblioteca com livros em Braille, áudio e ampliados, jogos adaptados, máquinas Braille e outros materiais voltados para essa deficiência

Entre os assistidos do grupo, estão pessoas que já nasceram sem enxergar, outros que perderam a visão durante a vida por causa de alguma doença, assim como pais que solicitam ajuda para saber como lidar com seus filhos cegos. Um exemplo disso são Elói e Mara, os pais da Nicole, que tem apenas quatro anos e nasceu cega. Ela é muito curiosa, aprende rápido tudo que lhe é ensinado e se diverte como todas as demais crianças da sua idade. Porém, cabe aos pais ajudarem ela a desenvolver as suas habilidades, assim como apurar os demais sentidos do corpo, para que ela consiga conviver bem com sua realidade e se torne uma adulta independente no futuro.

Já o caso de Sheila Pereira é completamente diferente. Em função da diabetes, ela foi perdendo gradualmente a visão, até parar de enxergar por completo. Seu marido ficou sabendo da ADEVIVA e a levou até a associação. “Quando a Sheila chegou, ela estava muito debilitada, desacreditada e triste com sua nova condição. Hoje, ao ver que outras pessoas passam pelo mesmo problema, ela está muito mais ativa e confiante para realizar suas atividades”, comenta Vanda.

Sheila entrou em depressão logo ao perder a visão, e se sentia completamente incapacitada de fazer coisas simples, como servir um copo d’água, por exemplo. “Um dia quebrei uma caneca em casa e me deu um ataque de choro, pois percebi que nem aquilo eu conseguia fazer sozinha. Mas agora penso na ADEVIVA, como minha segunda família, todos lá me deram muita força e então estou reagindo e aprendendo a viver novamente”, relata Sheila. Para ela, ler o Braille é impossível, pois também devido a sua doença, ela perdeu a sensibilidade na ponta dos dedos, e isso é indispensável para o sistema ser funcional.

Desde o início da ADEVIVA, Jeisecler Maciel Boeira frequenta os encontros e, como deficiente visual, tem grande participação em acolher e ajudar os novos integrantes que vem chegando. Com sua enorme força de vontade e independência, Jeise viaja sempre sozinha, vende trufas e cosméticos, lê e escreve em Braille e já começou uma faculdade, porém trancou os estudos devido ao sentimento de humilhação que sentiu, diante do despreparo de seus professores. “Eu tenho um aplicativo no meu celular que, ao me entregarem o pagamento pelas coisas que eu vendo, ele escaneia a nota e me diz se realmente está correto. Tento confiar nas pessoas, mas infelizmente em alguns casos é necessário conferir”, explica Jeise.

Apesar das diferenças entre eles, as opiniões sobre o descaso com os cidadãos deficientes visuais são praticamente as mesmas. Todos apontam que a maior dificuldade é ao andar nas ruas esburacadas, assim como as calçadas sem piso tátil em locais importantes como bancos e igrejas, ou, quando existe piso tátil, ele é empregado de maneira errônea. Outra falha que eles destacam é que no magistério, por exemplo, os professores não saem preparados para atender pessoas com necessidades especiais, não fazem libras e muito menos aprendem Braille. Assim, se torna mais difícil encontrar profissionais como a Vanda, que só consegue realizar um trabalho satisfatório pois fez uma especialização na área da deficiência visual.

A ADEVIVA não recebe nenhum incentivo governamental e por isso sobrevive de doações de pessoas da comunidade, desenvolvendo um pedágio solidário durante o ano e recebendo ajuda de outras instituições envolvidas na causa, como o Lions Vacaria.

Para aqueles que tiverem interesse em conhecer e ajudar, podem entrar em contato pelo número (54) 9. 9119-2189, ou ir diretamente na sede, localizada na rua Antônio Teixeira Borges, 332 - Bairro Borges - Vacaria/RS.

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